Ando em busca de informações sobre a revista “
Lar”, auto-classificada como a "revista da família". Já fiz uma pesquisa no “santo google”, mas nada encontrei. E no entanto ela existiu, assim como duas outras revistas do mesmo grupo, sobre as quais também nada achei.
A busca tem a ver com a pesquisa sobre Dr. Juljan e as profissões que tentou, antes de abraçar a medicina (e mostra um pouco dos desafios em torno do grande desafio de escrever um livro sobre sua vida).
Meses atrás, encontrei, entre seus papéis, um atestado de 9/8/1948, manuscrito e autenticado em cartório, assegurando que “
Juljan D. Czapski, polonês, solteiro, maior, domiciliado nesta Capital [São Paulo] à rua João Moura n. 941, é colaborador daquela revista, percebendo por trabalho.”
O papel timbrado há mais detalhes: a revista, de São Paulo, pertencia à Edições “Jóias da Família”, que também publicava
Ruth (revista das moças) e
O Periquito ( revista infantil de utilidade pedagógica), tendo como diretor proprietário A. Leal da Costa Neves.
Só que os dados foram insuficientes para encontrar outras informações. A carta também não especificou que tipo de colaboração Dr. Juljan deu à revista.
Até que encontrei, dias atrás, entre papéis de minha mãe, Alice Brill, o artigo
Trigo.
Datilografado em quatro páginas, assinado por ambos (em 1948 ainda eram namorados), ele menciona que se trata de reportagem do LAR, feita na Estação Experimental de Ponta Grossa, no Paraná.
É um texto abrangente, bem escrito, didático, retrato de época, que mostra – nas entrelinhas – a vivencia de ambos, imigrantes europeus, que viveram histórias da Segunda Guerra Mundial.
“Não há quem não se lembre como sofremos durante a guerra com a falta de farinha, consequencia da inexistência de maiores plantações de trigo em nosso paiz", escrevem no segundo parágrafo, antes de entrar na descrição do local, seus habitantes, e as atividades exercidas.
Essa estação experimental, muito bem instalada segundo o texto, produzia e distribuía sementes a agricultores. Muitas das quais, novas variedades obtidas por processos tradicionais de melhoria. Que seguiam a seguinte sistemática: de uma plantação, escolhiam-se as plantas mais produtivas e melhor adaptadas ao solo local, retirando suas sementes para a reprodução.
Plantadas essas sementes, era preciso esperar a colheita, para repetir o processo de seleção das melhores. E assim sucessivamente, até concluir que se chegou à nova variedade. E isso demorava de sete a 15 anos!
O texto é otimista, de um lado, com as perspectivas para o país. De outro, revela ceticismo quanto aos métodos “mais científicos”, de laboratório, para obter novas variedades de trigo: “isso exige muitos aparelhos e nunca se tem certeza do resultado esperado”.
Ocorre que a leitura torna-se mais saborosa se soubermos dos bastidores. A raiz da explicação e das opiniões expressas nele está um fato, vivido por Juljan na
fazenda Obra em Poznan, Polônia, onde ele nasceu e viveu até o inicio da adolescência: uma história do desenvolvimento de uma variedade de trigo que não “vingou” graças a um ato de solidariedade dos colonos poloneses, para com os Czapskis e contra o exército nazista.
Essa é uma das poucas passagens da vida de Dr. Juljan que consegui gravar (audio). Só que, antes de reproduzir suas palavras, tenho de dar o contexto: por estar próxima à fronteira alemã, Obra foi tomada pelo exército alemão logo que a II Guerra Mundial começou (setembro/1939). Durante algumas semanas, a família Czapski ficou confinada numa das casas da própria fazenda. Depois foi transferida para um campo de prisioneiros. Enfrentando risco de vida, os colonos continuaram a dar apoio aos Czapskis. Veja o que fizeram com o trigo:
“Na Polônia, o trigo era bem mais caro que o centeio. Ele não dava em terras fracas. Aí meu pai [Fryderyk Czapski] e [Prof. Fritz] Christiansen [-Weniger, consultor na área agrícola, amigo da família] tiveram a idéia de criar uma espécie de trigo que desse bem em terras fracas.
Ele viajou com minha mãe em regiões onde se plantava trigo em terras fracas. Eles escolhiam uns grãos de plantas boas, depois semeavam [em Obra, fazenda dos Czapskis]. Depois tiravam as melhores. Isso era por anos.
[Enfim] reconheceram uma espécie nova de trigo (...) em 1938. Previram para plantio em 1939. Aí veio a guerra. E ninguém abriu a boca sobre o que era. Virou tudo farinha.”
Doutor Juljan sempre contou com emoção essa história, de como os ex-funcionarios de seu pai, ante a injustiça da Guerra e a expulsão dos Czapskis - patrões - preferiram perder uma nova e mais produtiva variedade de trigo, tão arduamente buscada e longamente testada, a deixar que os invasores alemães lucrassem com isso!
A saber: a alma ecologista de Doutor Juljan não aceitou a adoção dos organismos geneticamente modificados, mais conhecidos como transgênicos, que a ciência desenvolveu mais recentemente. Dizia que o “homem quer brincar de ser Deus”, sem medir riscos para a saúde e o meio ambiente de disseminar novas espécies. Mas este é um outro tema, a abordar em outro post. Deixo apenas uma dica: o "cavaleiro da saúde" foi fã do filósofo Hans Jonas, tão pouco conhecido no Brasil. Leu e releu seus livros, que existem em espanhol! São boa fonte para pensar essa questão, e tudo o que se diz hoje sobre bioética.
EM TEMPO – em breve, espero ter o site de doutorjuljan no ar. A reportagem é um dos 30 textos selecionados, que estarão disponíveis para a leitura. Certamente, havia fotos feitas por Alice Brill, que hoje pertencem ao Instituto Moreira Salles. Mas essas eu não encontrei!
(Silvia Czapski)