quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Tornando o interessante ainda mais interessante

Tem certas histórias que ficam ainda mais interessantes na medida em que recebem novos detalhes. É o caso da de Siegfried Czapski (tio-avô de Juljan Czapski, o Cavaleiro da Saúde) e sua participação na história de sucesso tão única da Zeiss - na virada do século 19 para o 20 - cuja inserção neste blog entusiasmou muitos leitores.

Adianto que não estranharei a repercussão positiva desta nova narrativa de Juergen Koch - o neto de Siegfried e primo de Juljan que aparece na foto ao lado (2007) e que, aos 97 anos, nos brinda com dois interessantíssimos complementos ao post anterior.

Como o próprio Juergen definiu, são histórias que revelam facetas da vida familiar dos Czapskis na Polônia, e certamente influenciaram a personalidade de Juljan, formando um espécie de capítulo colateral do livro "O Cavaleiro da Saúde ",  exclusivo para quem acompanha este blog.

Novamente, traduzi e editei, trazendo aqui quase na íntegra o longo emocionado e-mail de Juergen. Vale a leitura:
"Estimada Silvia,

Lembro-me como se fosse ontem de nosso encontro em San Isidro
[belo bairro periférico de Buenos Aires, onde Juergen morava em 2007]. Se você mantiver contato, peço para mandar minhas saudações também para Elisabete [Rodrigues, que esteve junto, naquela ocasião].

Li e reli seu texto, é uma tradução e remodelação muito boa do que eu tinha escrito. Mas gostaria de acrescentar duas observações para dar uma imagem mais completa.


A primeira é sobre a transformação da Zeiss, de um processo artesanal para indústria óptica.
Faltou mencionar mais um problema a ser superado para viabilizar uma atividade verdadeiramente industrial:
a provisão da principal matéria prima, o vidro.

Tenhamos em mente que esse material tinha de ser buscado pelos artesãos da época em alguns mercados de pequeno porte, um das quais era Paris.

Viajavam para lá, compravam o vidro em blocos do tamanho de 1 ou 2 tijolos, carregavam essa carga pesada de volta para suas oficinas, onde tinham de cortar da maneira planejada por eles, para chegar ao tamanho e formato de uma lente, e finalmente polir.

O principal problema - além da dificuldade no procedimento em si - era a presença de impurezas de densidade decorrentes de irregularidades no resfriamento da massa de vidro, que eram capazes de provocar desvios e distorções nos raios de luz, tornando inútil tudo o que
[Ernst] Abbe arquitetara.

Sem resolver este obstáculo, Abbe
[de quem Siegfried Czapski, tio avô do Cavaleiro da Saúde, foi assistente e sucessor] sabia não chegaria onde queria. Encontrou então Otto Schott, um jovem perito em vidros que pesquisava o assunto, e o convenceu a se estabelecer em Jena, garantindo-lhe todas as facilidades para novas pesquisas, inclusive a instalação de novos fornos para a produção.

E então, juntos, eles conseguiram atingir o objetivo de produzir placas de vidro opticamente puros. Foi uma revolução absoluta neste setor, que pavimentou o caminho para a produção de milhões de lentes ópticas, destinadas  à instalação em microscópios, telescópios, lentes de correção da visão humana, objetivas de alta precisão fotográfica, e até para planetários, estes sensacionais teatros em que se reproduzem os movimentos de todas as estrelas visíveis a olho nu por milhões de anos.


Importante mencionar que, depois disso, ainda ocorreu o desenvolvimento, por Otto Schott, do Jenaer glas, um vidro para uso doméstico e industrial que pode ser exposto a altas temperaturas.


O segundo ponto é uma complementação que eu gostaria de inserir, sobre a minha avó, Marguerite, esposa de Siegfried, mencionada no final do texto anterior.

Marguerite nasceu em Brest, mas foi criada em Paris como a filha de Louis Koch, um professor de escola. Era sobrinha de Juliette Drouet, que foi a amante de Victor Hugo por cinco décadas - tendo inclusive compartilhado o exílio que ele sofreu durante tantos anos nas Ilhas do Canal da Mancha, em razão de sua violenta oposição contra o último rei de França, que ele costumava chamar de "Napoleão I Petit " [o pequeno] -  com a tolerância   da esposa do Hugo.

Finalmente em 1871 o rei foi destituido e ela acompanhou Victor Hugo em seu retorno a Paris, vivendo, nos anos seguintes, na casa dele (hoje museu Victor Hugo), dado o falecimento da esposa.

Margarite frequentou quase diariamente esta casa, onde vivenciou a intensidade da vida literária e política deste grande poeta, que chegou a ser parlamentar, precursor da idéia de uma Europa unida, defensor dos direitos humanos, promotor da lei de propriedade intelectual, entre tantas outras coisas que faziam dele o personagem mais amado, famoso e também odiado naqueles anos de recém-criada República Francesa.

Assim foi até que Hugo morreu em 1885, provocando um cortejo fúnebre que, segundo os cronistas de então, reuniu mais de 100 mil pessoas.


Portanto, foi neste ambiente em que conviveu toda a elite cultural, política, artística e humana de França, formou-se a minha avó. Falava três idiomas correntemente, tocava primorosamente piano, especialmente Mozart, e foi quem influenciou mais fortemente minha formação juvenil, praticando quase que diariamente música de câmara comigo e meus amigos, e também a leitura de livros franceses em direito e outros assuntos .


Vejo com real prazer que, com estas contribuições, estamos compondo um capítulo colateral de "O Cavaleiro da Saúde ", que transmitem aos leitores do blog algo mais sobre o ambiente familiar dos Czapskis. Haveria mais coisas para dizer, mas não gostaria de me alongar demais.


Mais uma vez agradeço por sua amizade eu lhe asseguro é mútua."

Juergen Koch
Pesquisei, da última vez, sobre Zeiss e os Czapski, agora recorri aos sites de busca, para encontrar mais sobre Victor e Juliette.

Inglês 
Juliette na wikipedia
* Victor e Juliette 
* Cartas de Juliette a Victor Hugo - no arquivo nacional dos EUA (livro originalmente publicado em 1914, disponível para download)

Francês / Português
* Uma carta de amor, de Victor para Julliette

Para facilitar, clique aqui, para acessar o primeiro relato de Juergen, que este post complementa (Silvia Czapski)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Dois anos sem Dr. Juljan
e uma interessantíssima história


Tão rápida e tão lentamente. Neste 12 de janeiro completou-se mais um aniversário do falecimento de Juljan Czapski, o Cavaleiro da Saúde. Dois anos.
Quem primeiro me lembrou a data foi Juergen Koch, primo de Dr. Juljan que há muitos anos vive na Argentina e, aos 97 anos de idade, apoia-se na internet para se corresponder com parentes e amigos fisicamente distantes.
Com sua incrível memória, Juergen foi fundamental para que eu reconstituisse, no livro O Cavaleiro da Saúde, a vida dos Czapskis na fazenda Obra, em Poznan/Polônia, antes da II Guerra Mundial. Ele  a frequentou, conheceu os personagens, bem como a saga da família que teve de abandonar tudo por lá de repente... mas isso está no livro, não vale contar aqui!
Eu o conheci somente em 2007, quando, por dica de Juljan, fui visitá-lo num belo subúrbio de Buenos Aires. Levei uma amiga, a paulistana Elisabete Rodrigues (na foto, com Juergen). Ele esperou-nos na estação ferroviária, levou-nos a um simpático restaurante-café onde todos os conheciam. Conversa longa e agradável, numa tarde quente e chuvosa de dezembro.
Passamos a trocar mensagens esporadicamente no início, mais constantes após o falecimento de Juljan, em 2010. Falha minha, demorei um pouco para lhe remeter um exemplar do livro, que ele esperava com justa ansiedade.
E então, semanas atrás, ele me emocionou com uma nova mensagem, na qual - para corrigir uma incorreção na página 109 - presenteou-me com uma história incrível, que poucos conhecem no Brasil. Trata-se de uma experiência empresarial única no mundo, na virada do século 19 para o 20, em que um dos personagens foi Siegfried Czapski, que também aparece em O Cavaleiro da Saúde como tio-avô de Juljan que ajudou a família num momento dramático da vida em Obra.
Guardei o depoimento - sobre Siegfried e a mundialmente conhecida indústria óptica Carl Zeiss - para publicar num momento especial. Fui impedida de faze-lo ontem - 12/1 - devido a um black out nos serviços de telefonia e internet. Segue agora. 
Estimada Silvia,
Há muito tempo te devo esta carta, mas devo confessar que a leitura de seu livro [O Cavaleiro da Saúde], sobre o seu pai tem avançado lentamente, pois - apesar de compreender bem o português - demoro mais na leitura de outros idiomas.
Devo dizer-te que considero seu livro verdadeiramente excelente. Independentemente da carga emocional de tudo o que se refere ao que me era familiar, encontrei nele uma excelente biografia que descreve o desenvolvimento de um homem, sem dúvida alguma excepcional, seja no seu desenvolvimento pessoal, familiar ou no seu crescimento profissional ante os desafios que enfrentou. [obs: primo mais velho de Juljan, Juergen foi hóspede na fazenda Obra, antes da II Guerra Mundial]
Além disso, o livro oferece um excelente quadro do que significa a implementação do sistema de saúde pública em seu país, bem como os aspectos legais e constitucionais e dá, em geral, um panorama abrangente sobre o assunto no mundo ocidental. Já li dois terços e, com satisfação, prossigo na leitura.
Mas gostaria de apontar duas incorreções que observei na página 109, onde você mencionou meu avô Siegfried Czapski como fundador da fábrica Zeiss e como avô de Reinhardt.
Em verdade, Reinhardt não foi neto, e sim o penúltimo dos oito filhos de Siegrfried, que era um dos irmãos de Julian, teu bisavô e avô de Juljan. (...)
Além disso, meu avô Siegfried não foi o fundador da Zeiss, mas o mais estreito colaborador e primeiro sucessor de Ernst Abbe, o lendário físico que ingressou na empresa como um jovem acadêmico, para colaborar com o artesão óptico Carl Zeiss, que montava microscópios e telescópios na cidade de Jena, assim como se fazia em meados século XIX: lentes de diferentes tipos eram combinadas empiricamente, até obter o efeito desejado, seja como microscópio ou telescópio.
Abbe empreendeu a tarefa de usar o método científico, monitorando e medindo as combinações de cada fração das distintas lentes, de tal modo que, ao se chegar a um resultado positivo, era possível repetir o processo com igual combinação, para construir equipamentos do mesmo tipo. Foi o passo definitivo para a evolução do artesanato para a indústria. O retorno foi fantástico: centenas de milhares de microscópios vendidos no mundo todo, fazendo da Zeiss a indústria ótica do mundo.
Com os grandes lucros, Abbe comprou a parte de Zeiss e aí, como único proprietário da indústria, converteu-a em uma fundação, que doou aos funcionários. Ele, filho de trabalhadores muito humildes, entendia assim o socialismo.
Inicialmente, o procurador-geral foi o próprio Abbe, que pediu ao grande físico alemão Helmholtz que designasse um estudante para ajudá-lo. Foi assim que Siegfried chegou à indústria, como um  colaborador de Abbe.
A fábrica seguia dando fabulosos lucros que retornavam como benefícios aos trabalhadores, na forma de aposentadorias, pensões, férias, educação dos filhos, casas; ao lado de benfeitorias para a cidade, com a subvenção de tudo: bibliotecas, universidade, concertos, clínicas (...). A direção da empresa estava nas mãos de um comitê científico, que se renovava por eleição de novos membros entre eles mesmos.
Quando Abbe faleceu, em 1905, Siegfried tornou-se seu primeiro sucessor, nomeado conjuntamente pelo comitê científico e os representantes dos trabalhadores. Os lucros da fábrica continuaram a voltar para os trabalhadores, no conceito de dividendos anuais.
Que eu saiba, trata-se de um caso único na história mundial. Impressionante a repercussão social e política da transformação da empresa privada em uma fundação pertencente aos trabalhadores, e também a mudança de mentalidade da população local.
Pois na pequena cidade de Jena os trabalhadores da Zeiss - que predominavam em meio a classe operária industrial - converteram-se em burgueses, distanciados dos extremismos, seja de esquerda ou de direita. Em Jena, deixou de haver proletariado e os poucos comunistas que lá surgiram eram muitas vezes universitários, simpatizantes da ideologia.
Você sabe que Hitler, em sua campanha para chegar ao poder, visitou todas as cidades da Alemanha, exceto Jena. É que qualquer promessa na área social teria como resposta o sorriso irônico de quem era ligado à Zeiss e já tinha tudo.
Infelizmente, Siegfried faleceu dois anos depois de Abbe, em decorrencia de operação de apendicite, na época ainda muito perigosa.
Reinhardt nasceu em 1902, era portanto 23 anos mais velho que seu pai. Depois de se formar, foi aprendiz comercial da Zeiss. Em seguida, trabalhou vários anos numa filial deles em Buenos Aires e, finalmente, na década de 1930, foi diretor da sucursal em Amsterdã, onde a direção de Jena conseguiu mantê-lo afastado das ameaças decorrentes de sua ascendência judaica.
Quando os nazistas ocuparam a Holanda, durante a II Guerra Mundial, ele passou à clandestinidade, mas sobreviveu à guerra. Pensava em abrir algo na América do Sul, mas depois deixou a idéia de lado, vivendo o resto de sua vida em Wiesbaden (Alemanha) como homem de negócios. A mãe dele [esposa de Siegfried] era a francesa Marguerite Koch (coincidência casual de sobrenome), de uma enorme cultura e iniciativa humanitária, em especial para a maternidade natural.
Apesar deste relato não ter relação direta com o seu livro, eu pensei que você conhecia muito pouco disso. Há um livro sobre Siegfried Czapski, escrito por outro neto dele, meu primo Andreas Flitner, a quem você mencionou em O Cavaleiro da Saúde num outro contexto. Este livro deve estar na biblioteca de seu pai, porque Flitner mencionou isso para mim.
Dias depois, na mensagem em que autorizou a publicação da mensagem, Juergen acrescentou mais um comentário: 
"Gostaria de mencionar - escreveu ele - o quanto me interessou e emocionou a carreira de sua mãe [Alice Brill], com sua atuação artística desenvolvida em acordo com seu pai. Eu a conheci uma vez, brevemente, em Buenos Aires quando ele esteve aqui com seu ele."

Corri para a sites de busca, aprendi ainda mais: Siegrfried Czapski e a esposa,  Andreas Flitner e seu livro estão na Wikipedia... em alemão! Há também um link em inglês, com opção do italiano:
Inglês
* Siegfried Czapski  (também italiano)
Alemão (Wikipedia e afins)
* A esposa Margareth (ou Marguerite)
* ... e o sumário do seu livro - Optics - technology - social culture. Siegfried Czapski, way companion and successor Ernst Abbes. Letters, writings, documents (com Joachim Wittig
Não podia deixar de compartilhar esta história, que faz parte dos bastidores da vida do Cavaleiro da Saúde. (Silvia Czapski)