sábado, 29 de outubro de 2011

Setenta anos no Brasil



Quantas histórias por trás deste papel colado no passaporte de Ilza Czapski, mãe do Cavaleiro da Saúde, em outubro de 1941:
"A vista do oficio 4075, e atendendo à revalidação concedida por autorização do Ministério da Justiça,
legalizo nesta data o desembarque do portador" DNI- 7428/41
29/10/1941





Página 1 do mesmo bilhete
:
"Tendo sido pagos os respetivos (sic) emolumentos consulares, o visto, em caráter permanente concedido no passaporte pelo Consulado do Brasil em Marselha, sob o n. 281, em 12 de Abril de 1940, fica devidamente revalidado.
Essa revalidação é outorgada de acordo com o expresso no aviso JS-989, de 10 de Outubro de 1941, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores"
(RJ, 17/outubro/1941)


Foto incomum para um passaporte - a mãe de Juljan com o filho caçula  -
está no documento usado no percurso para o Brasil.
Filhos menores de idade eram incluidos nos passaportes maternos
.





13 de Janeiro de 1941 -
no mesmo passaporte, a autorização para embarcar no lendário navio Alsina, e registro do embarque, em 15/1 no porto de Marselha, França.
A expectativa era chegar ao Brasil em poucas semanas. Mas....


... centenas de passageiros, inclusive Juljan, sua mãe e irmãos, ficaram 5 meses retidos no Alsina, em costas africanas. Foram liberados em junho/1941, como mostram esses carimbos. De trem, foram à Espanha e, de lá, no
'Cabo de Buena Esperança' em direção ao Brasil.




Estivesse vivo, Juljan Czapski comemoraria - neste 29 de outubro - os 70 anos do fim de uma saga vivida com a família, na rota de fuga para o Brasil, em plena II Guerra Mundial. Ou melhor, fim de um capítulo dramático, pois a saga continuaria nos primeiros anos de Brasil.As duas imagens iniciais, no alto deste post, reproduzem um pequeno pedaço de papel colado no passaporte da mãe, Ilza. Tão pequeno, mas tão significativo! Pois revela como e quando autoridades brasileiras legalizaram o desembarque da família, que desembarcara "de fato" mais de três meses antes, em 10 de julho de 1941.


Sei que qualquer história de vida é emocionante, se bem contada. Mas quem viveu períodos como esse, cheio de momentos dramáticos, duros e às vezes engraçados, torna mais fácil fazer da biografia um romance bom de ler.


Como filha, cresci vendo como o "Cavaleiro da Saúde" era capaz de encantar seus ouvintes quando contava sobre suas vivências de guerra. Mas não precisei me ater apenas aos relatos gravados para escrever o livro. Tive a sorte de "passear" por documentos como esse passaporte histórico, onde os carimbos e anotações fornecem detalhes fantásticos para quem se interessa pelo tema.


E mais: tive chance de falar com gente incrível, como uma companheira de Alsina, a artista plástica Lise Forell, ou o pesquisador Fabio Koifman, autor do ótimo livro "Embaixador das Trevas" sobre a vida do diplomata Souza Dantas, que salvou milhares de vidas ao conceder vistos para refugiados judeus. Ele pediu, e eu mandei as páginas que ilustram esse post.


- Esse passaporte valeria uma tese de doutorado - foi a reação de Koifmann.

O livro conta muito mais, com detalhes inéditos que Juljan permitiu descobrir. Mas eu não poderia deixar de contar tudo isso, no aniversário da data em que ele - um adolescente, na época - ganhou a legalização da permanência no Brasil. (Silvia Czapski)