sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Dois anos sem Dr. Juljan
e uma interessantíssima história


Tão rápida e tão lentamente. Neste 12 de janeiro completou-se mais um aniversário do falecimento de Juljan Czapski, o Cavaleiro da Saúde. Dois anos.
Quem primeiro me lembrou a data foi Juergen Koch, primo de Dr. Juljan que há muitos anos vive na Argentina e, aos 97 anos de idade, apoia-se na internet para se corresponder com parentes e amigos fisicamente distantes.
Com sua incrível memória, Juergen foi fundamental para que eu reconstituisse, no livro O Cavaleiro da Saúde, a vida dos Czapskis na fazenda Obra, em Poznan/Polônia, antes da II Guerra Mundial. Ele  a frequentou, conheceu os personagens, bem como a saga da família que teve de abandonar tudo por lá de repente... mas isso está no livro, não vale contar aqui!
Eu o conheci somente em 2007, quando, por dica de Juljan, fui visitá-lo num belo subúrbio de Buenos Aires. Levei uma amiga, a paulistana Elisabete Rodrigues (na foto, com Juergen). Ele esperou-nos na estação ferroviária, levou-nos a um simpático restaurante-café onde todos os conheciam. Conversa longa e agradável, numa tarde quente e chuvosa de dezembro.
Passamos a trocar mensagens esporadicamente no início, mais constantes após o falecimento de Juljan, em 2010. Falha minha, demorei um pouco para lhe remeter um exemplar do livro, que ele esperava com justa ansiedade.
E então, semanas atrás, ele me emocionou com uma nova mensagem, na qual - para corrigir uma incorreção na página 109 - presenteou-me com uma história incrível, que poucos conhecem no Brasil. Trata-se de uma experiência empresarial única no mundo, na virada do século 19 para o 20, em que um dos personagens foi Siegfried Czapski, que também aparece em O Cavaleiro da Saúde como tio-avô de Juljan que ajudou a família num momento dramático da vida em Obra.
Guardei o depoimento - sobre Siegfried e a mundialmente conhecida indústria óptica Carl Zeiss - para publicar num momento especial. Fui impedida de faze-lo ontem - 12/1 - devido a um black out nos serviços de telefonia e internet. Segue agora. 
Estimada Silvia,
Há muito tempo te devo esta carta, mas devo confessar que a leitura de seu livro [O Cavaleiro da Saúde], sobre o seu pai tem avançado lentamente, pois - apesar de compreender bem o português - demoro mais na leitura de outros idiomas.
Devo dizer-te que considero seu livro verdadeiramente excelente. Independentemente da carga emocional de tudo o que se refere ao que me era familiar, encontrei nele uma excelente biografia que descreve o desenvolvimento de um homem, sem dúvida alguma excepcional, seja no seu desenvolvimento pessoal, familiar ou no seu crescimento profissional ante os desafios que enfrentou. [obs: primo mais velho de Juljan, Juergen foi hóspede na fazenda Obra, antes da II Guerra Mundial]
Além disso, o livro oferece um excelente quadro do que significa a implementação do sistema de saúde pública em seu país, bem como os aspectos legais e constitucionais e dá, em geral, um panorama abrangente sobre o assunto no mundo ocidental. Já li dois terços e, com satisfação, prossigo na leitura.
Mas gostaria de apontar duas incorreções que observei na página 109, onde você mencionou meu avô Siegfried Czapski como fundador da fábrica Zeiss e como avô de Reinhardt.
Em verdade, Reinhardt não foi neto, e sim o penúltimo dos oito filhos de Siegrfried, que era um dos irmãos de Julian, teu bisavô e avô de Juljan. (...)
Além disso, meu avô Siegfried não foi o fundador da Zeiss, mas o mais estreito colaborador e primeiro sucessor de Ernst Abbe, o lendário físico que ingressou na empresa como um jovem acadêmico, para colaborar com o artesão óptico Carl Zeiss, que montava microscópios e telescópios na cidade de Jena, assim como se fazia em meados século XIX: lentes de diferentes tipos eram combinadas empiricamente, até obter o efeito desejado, seja como microscópio ou telescópio.
Abbe empreendeu a tarefa de usar o método científico, monitorando e medindo as combinações de cada fração das distintas lentes, de tal modo que, ao se chegar a um resultado positivo, era possível repetir o processo com igual combinação, para construir equipamentos do mesmo tipo. Foi o passo definitivo para a evolução do artesanato para a indústria. O retorno foi fantástico: centenas de milhares de microscópios vendidos no mundo todo, fazendo da Zeiss a indústria ótica do mundo.
Com os grandes lucros, Abbe comprou a parte de Zeiss e aí, como único proprietário da indústria, converteu-a em uma fundação, que doou aos funcionários. Ele, filho de trabalhadores muito humildes, entendia assim o socialismo.
Inicialmente, o procurador-geral foi o próprio Abbe, que pediu ao grande físico alemão Helmholtz que designasse um estudante para ajudá-lo. Foi assim que Siegfried chegou à indústria, como um  colaborador de Abbe.
A fábrica seguia dando fabulosos lucros que retornavam como benefícios aos trabalhadores, na forma de aposentadorias, pensões, férias, educação dos filhos, casas; ao lado de benfeitorias para a cidade, com a subvenção de tudo: bibliotecas, universidade, concertos, clínicas (...). A direção da empresa estava nas mãos de um comitê científico, que se renovava por eleição de novos membros entre eles mesmos.
Quando Abbe faleceu, em 1905, Siegfried tornou-se seu primeiro sucessor, nomeado conjuntamente pelo comitê científico e os representantes dos trabalhadores. Os lucros da fábrica continuaram a voltar para os trabalhadores, no conceito de dividendos anuais.
Que eu saiba, trata-se de um caso único na história mundial. Impressionante a repercussão social e política da transformação da empresa privada em uma fundação pertencente aos trabalhadores, e também a mudança de mentalidade da população local.
Pois na pequena cidade de Jena os trabalhadores da Zeiss - que predominavam em meio a classe operária industrial - converteram-se em burgueses, distanciados dos extremismos, seja de esquerda ou de direita. Em Jena, deixou de haver proletariado e os poucos comunistas que lá surgiram eram muitas vezes universitários, simpatizantes da ideologia.
Você sabe que Hitler, em sua campanha para chegar ao poder, visitou todas as cidades da Alemanha, exceto Jena. É que qualquer promessa na área social teria como resposta o sorriso irônico de quem era ligado à Zeiss e já tinha tudo.
Infelizmente, Siegfried faleceu dois anos depois de Abbe, em decorrencia de operação de apendicite, na época ainda muito perigosa.
Reinhardt nasceu em 1902, era portanto 23 anos mais velho que seu pai. Depois de se formar, foi aprendiz comercial da Zeiss. Em seguida, trabalhou vários anos numa filial deles em Buenos Aires e, finalmente, na década de 1930, foi diretor da sucursal em Amsterdã, onde a direção de Jena conseguiu mantê-lo afastado das ameaças decorrentes de sua ascendência judaica.
Quando os nazistas ocuparam a Holanda, durante a II Guerra Mundial, ele passou à clandestinidade, mas sobreviveu à guerra. Pensava em abrir algo na América do Sul, mas depois deixou a idéia de lado, vivendo o resto de sua vida em Wiesbaden (Alemanha) como homem de negócios. A mãe dele [esposa de Siegfried] era a francesa Marguerite Koch (coincidência casual de sobrenome), de uma enorme cultura e iniciativa humanitária, em especial para a maternidade natural.
Apesar deste relato não ter relação direta com o seu livro, eu pensei que você conhecia muito pouco disso. Há um livro sobre Siegfried Czapski, escrito por outro neto dele, meu primo Andreas Flitner, a quem você mencionou em O Cavaleiro da Saúde num outro contexto. Este livro deve estar na biblioteca de seu pai, porque Flitner mencionou isso para mim.
Dias depois, na mensagem em que autorizou a publicação da mensagem, Juergen acrescentou mais um comentário: 
"Gostaria de mencionar - escreveu ele - o quanto me interessou e emocionou a carreira de sua mãe [Alice Brill], com sua atuação artística desenvolvida em acordo com seu pai. Eu a conheci uma vez, brevemente, em Buenos Aires quando ele esteve aqui com seu ele."

Corri para a sites de busca, aprendi ainda mais: Siegrfried Czapski e a esposa,  Andreas Flitner e seu livro estão na Wikipedia... em alemão! Há também um link em inglês, com opção do italiano:
Inglês
* Siegfried Czapski  (também italiano)
Alemão (Wikipedia e afins)
* A esposa Margareth (ou Marguerite)
* ... e o sumário do seu livro - Optics - technology - social culture. Siegfried Czapski, way companion and successor Ernst Abbes. Letters, writings, documents (com Joachim Wittig
Não podia deixar de compartilhar esta história, que faz parte dos bastidores da vida do Cavaleiro da Saúde. (Silvia Czapski)

Um comentário:

  1. Excelente a carta e os detalhes nela mencionados. Acho que a historia da Zeiss como empresa e sua experiencia de gestao distributiva por resultados por si so daria um outro livro. Parabens Silvia.

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