terça-feira, 23 de setembro de 2014

Milagre das Águas?

Sapurtiga era um personagem sempre preocupado em proteger seu próprio ambiente. Povoava as páginas do Urtiga, jornal da Associação Ituana de Proteção Ambiental (AIPA) que editei por 20 anos, distribuido como encarte em todos jornais locais, numa colaboração dos veículos de comunicação.

Foi uma provocação do historiador e professor Jonas Soares de Souza que me levou a reencontrá-lo, ilustrando atualíssimo artigo do Cavaleiro da Saúde de 1999, que reproduzo em seguida.Você verá que, há exatos 15 anos
, na seção Opiniões, da edição 135 (nov/dez 1999) do referido Urtiga, Dr. Juljan - presidente da associação - previa o efeito dramático de políticas públicas desacertadas no campo das águas. Que veio com as piores consequencias neste ano, devido à seca incrivelmente prolongada que castiga o município e todo Sudeste do país.


Antes de mais comentários, vamos ao texto, que ganhou o irônico título Milagre das Águas?
"Recebi uma carta, datada de 3 de novembro, do Senhor Prefeito da Estância Turística de Itu. Confesso que a carta me surpreendeu. Não pelo fato já muito conhecido de Itu ter uma deficiência de fontes de água. Nem pelo fato do Poder Público Municipal ter feito praticamente nada nas últimas décadas para preservar estas fontes, ou adequar o crescimento do Município à disponibilidade de água, e sim pela fé extremada na Iniciativa Privada.

Pelos termos da carta, o Senhor Prefeito acredita, aparentemente, que a Iniciativa Privada é detentora de um novo e milagroso processo de produzir água. Caso não seja o fato e a Iniciativa Privada consiga resolver o problema da escassez - há mais de uma década denunciado pela AIPA - estará dando um atestado e incapacidade da Administração Municipal. Se a água está disponível, porque a Prefeitura não consegue fornecê-la e a Iniciativa Privada, sim?

É preciso lembrar que a água é retirada de rios ou do subsolo, ambos de domínio público, conforme os preceitos da Constituição Federal de 1988. Além do consumo doméstico, fornecimento para os animais e irrigação, a água tem outros usos: produção de energia, navegação, pesca, disposição de efluentes, controle de cheias, lazer. O seu uso afeta sempre vários municípios, às vezes, estados, já que os cursos d'água, com respectivos lençóis freáticos não se limitam às fronteiras políticas municipais, instituídas pelos Homens. Se tiramos água demais em nossa área, os vizinhos que ficam adiante e dependem da mesma fonte serão prejudicados.

Sem água não há vida. Trata-se de um bem público de alto significado estratégico, portanto sua exploração não deve ser simplesmente entregue à iniciativa privada.

Por outro lado, o descuido com que a questão é tratada por muitas autoridades também é inadmissível. Tomemos o exemplo da Bacia do Ribeirão São Miguel, fonte de abastecimento dos bairros Cidade Nova, Parque Novo Mundo e Jardim União. Já por ocasião da apresentação do Estudo e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Eia/ Rima), na gestão passada da prefeitura, advertimos que a água disponível neste ribeirão seria suficiente para uma população prevista - de no máximo 15.000 a 20.000 habitantes - apenas se houvesse um extremo cuidado com os recursos hídricos, para que a vazão do Ribeirão continuasse preservada.

Não foi o que aconteceu. Além da Prefeitura autorizar a construção do empreendimento Agro Road [
hoje, sob outra direção e rebatizado Road Shopping] - que já de inicio poluiu o referido ribeirão e assoreou ("entupiu") nascentes, não manteve a necessária vigilância no local. Ainda recentemente, em obra clandestina, o Agro Road assoreou outra nascente e mais de que isto - verificamos que o sistema de esgotos do empreendimento é insuficiente até durante a semana, quando o movimento é baixo, o que gera poluição da água que segue para uma parcela da população do município. A denúncia da AIPA a órgãos estaduais, municipais e ao Ministério Público, resultou em paralisação temporária da obra, que já voltou sorrateiramente, sem a devida ação restritiva das autoridades.
O conjunto inicialmente chamado "Cidade Nova", por outro lado, cresceu além da medida prevista e nem todos possuem água encanada, que era uma promessa pública da Prefeitura e obrigação prevista no mencionado Eia/Rima. Quem visitar a represa onde está a bomba que retira o precioso líquido para abastecer o conjunto, verá que o ladrão por onde sai a água excedente verte quase nada. Ou seja, não existe mais água disponível para a Cidade Nova. E não será a iniciativa privada que vai fabricá-la. Se a população ituana continuar crescendo exponencialmente, como tem ocorrido, recebendo ainda mais migrantes, não será a iniciativa privada que inventará novas formas de abastecera população.

Está na hora de repensar o município, assumir a responsabilidade pelos serviços essenciais, tomando medidas drásticas para preservar o que temos."
(Dr. Juljan Czapski, Presidente da AIPA, médico com mestrado em Saúde Pública - Jornal Urtiga 135, nov/dez 1999)

Fico me perguntando o que escreveria Dr. Juljan hoje, em que a população de "Cidade Nova" superou o dobro da previsão da época, alcançando cerca de 40 mil pessoas... com perspectivas de novos loteamentos urbanos e distrito industrial. Sem falar do Centro de Itu (núcleo histórico e se entorno) também com população crescente e ainda mais prejudicado pela falta de água.

Habitantes sofrem, a mídia repercute os protestos (cada vez mais tensos), bem como as medidas emergenciais e que a empresa concessionária está mudando de mãos. (
Silvia Czapski).

terça-feira, 22 de julho de 2014

Há 20 anos - Saúde e Ecologia

Acabo de receber de James Moreno Salazar - da Federação Internacional de Hospitais (Internacional Hospital Federation, ou IHF), na Suiça - cópia de uma página do Health Services International, publicação trimestral da entidade, que me lembrou um dos mais criativos períodos do Cavaleiro da Saúde. É do  ano de 1994, quando ele ajudou a idealizar - ao lado de Dra. Waleska Santos - o I Congresso Latino-Americano de Serviços de Saúde, semente de um Fórum que reúne hoje mais de 60 eventos científicos da Feira+Fórum Hospitalar, hoje uma das maiores feiras do setor no mundo, e o  mais importante fórum de saúde da América Latina

São Paulo, 1994: Dr. Juljan, Hiroshi Nakajima (Diretor Geral
da OMS) e Dra Waleska Santos (Presidente da Hospitalar)
Naquele ano, eles trouxeram para debater no Brasil um incrível naipe de personalidades, encabeçadas pelo então diretor geral da Organização Mundial da Saúde, Dr. Hiroshi Nakajima (na foto ao lado, com Dra Waleska e Dr. Juljan), e sete ex-ministros de saúde da Europa do Leste que contaram a experiência de migrar do comunismo para o capitalismo na área da saúde. A lembrar que cinco anos antes, em 1989, ocorrera a "queda do Muro de Berlim", que desencadeou essa mudança política.

Para mim, é especialmente forte a lembrança de um convite que o Cavaleiro da Saúde fez, ao final da I Hospitalar, a um pequeno grupo de dirigentes de federações de hospitais da América Latina e Europa. Foram todos a Itu, para conhecer o projeto ecológico realizado pela Associação Ituana de Proteção Ambiental em Itu, que Dr. Juljan presidia e onde eu atuava. Um domingo delicioso com direito a almoço sob velhas mangueiras.

Reproduzo abaixo, em tradução livre, as notícias de duas décadas atrás do veículo de comunicação da IHF. Um perfil de Dr. Juljan que menciona a ação ecológica, além de uma novidade para os leitores: duas participações do médico em eventos da Organização Mundial da Saúde, como representante da IHF. 

PERFIL - Dr. Juljan Czapski
O foco principal do trabalho atual do vice-presidente da Federação Internacional de Hospitais e Diretor Técnico da Fenaess (Federação Nacional de Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Brasil), Dr. Juljan Czapski, é o desenvolvimento de um modelo adequado para os serviços de saúde nos países em desenvolvimento, especialmente na América Latina.  
Dr. Czapski formou-se em medicina na Universidade de São Paulo, onde mais tarde completou o mestrado em Saúde Pública e o doutorado em Administração Hospitalar. Ele teve a iniciativa, em 1956, de fundar a primeira organização brasileira de medicina de grupo, um sistema que desde então tem crescido, a ponto de hoje oferecer [1994] assistência a cerca de 20 milhões de pessoas. 
Nove anos depois, ele foi fundador da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo) da qual foi presidente por dez anos e continua a ser um membro honorário. 
Ao lado o envolvimento do Dr. Czapski e sua contribuição para a área da saúde ele desempenhou um papel importante na implementação de um projeto de proteção e recuperação ambiental em Itu (SP). O projeto, apoiado pela Comissão para a União Europeia, é dedicado à recuperação do meio ambiente por meio de regeneração florestal com árvores nativas e melhoria dos hábitos alimentares, com a introdução de hortas nas escolas e educação ambiental.  
Vice Presidente participará de Conferência da OMS  
A IHF sempre teve forte ligação com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e trabalha para estreitar cada vez mais esse relacionamento. Dr. Juljan Czapski, Vice-Presidente da Federação Internacional de Hospitais, representará a IHF na XXIV Conferência Pan-americana de Saúde, e na XLVI Reunião do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde, em Washington DC  de 26 a 30 Setembro de 1994, apenas um de um grande número de reuniões da OMS em que a IHF participa.(Health Services International - 1994)
1978: Visto para o Cazaquistão
e bottom da Conferência
Por mais de meia década (1991-1997), Dr. Juljan foi vice presidente da IHF. Mas bem antes disso, em 1978 - como secretário-geral da Federação Brasileira dos Hospitais e já como membro do Conselho dessa entidade internacional - ele foi o único brasileiro presente na famosa Conferência de Alma Ata, realizada pela OMS com a Unicef na capital do Cazaquistão. 

De lá saiu o moderno conceito, até hoje em vigor no mundo, da saúde como "estado de completo bem-estar físico, mental, social e não somente a ausência de doença", um direito fundamental do ser humano, essencial para o desenvolvimento econômico, a qualidade de vida e o sonho da paz mundial. 

A
pesar de ser representante de uma organização não governamental, normalmente sem direito a voz, ele conseguiu falar no púlpito dessa Assembleia mundial.  Mas essa é uma uma peripécia que está contada no livro O Cavaleiro da Saúde. (Silvia Czapski)