segunda-feira, 29 de abril de 2013

(dr.) Paulo Vanzolini (1924-2013)

Acostumado a dormir cedo, para cedo acordar, Doutor Juljan gostava de contar sobre uma das exceções a essa regra, nos tempos de Faculdade de Medicina da USP. De uma turma anterior à dele, Paulo Vanzolini era o melhor para revisar as estatísticas dos trabalhos de seus colegas. Mas, como bom boêmio, foi preciso encontrá-lo no bar, após 23h...

Vanzolini morreu nesse domingo, 29 de abril, poucos dias após completar 89 anos. Mais conhecido como compositor de músicas como Ronda
e Volta por cima, teve a zoologia como maior paixão, e a medicina como meio para lá chegar. Cursou por conselho de André Dreyfus - também referência para o Cavaleiro da Saúde - como degrau para depois se especializar em zoologia na universidade de Harvard, nos EUA.

Estimulada pelas histórias de Dr. Juljan, busquei Vanzolini em 1992 no Museu de Zoologia da USP, que ele dirigia e hoje guarda seu acervo de mais 25 mil itens - entre livros (alguns raros), periódicos e mapas. Estávamos a três meses da Eco-92. Foi uma delícia de entrevista para o Urtiga, jornal da Associação Ituana de Proteção Ambiental (Aipa) que idealizei e editei por mais de 20 anos.

A partida de Vanzolini estimula-me a reproduzir aqui essa entrevista publicada em março de 1992, que rendeu - a partir de então - vários convites do cientista-compositor, sobretudo para eventos musicais em que participou:



... DEVEMOS RESPEITAR A NATUREZA POR SERMOS BONS E DIREITOS
Paulo Emílio Vanzolini, autor de Ronda e diretor do Museu de Zoologia de São Paulo, fala de boemia, música, e zoologia.

Sua avó materna era ituana. Do tempo em que se falava "Carminha de Umbelina" (Carminha, filha de Umbelina). Mas ele pouco frequentou o município. "Só ia na Semana Santa, ver o diabo e Judas serem queimados na Praça". Famoso pela música Ronda, da qual é autor, Paulo Emílio Vanzolini diz que deixou a boemia. "Tem a hora em que passa a vontade de sair à noite. Quem força e continua é por que quer aparecer, não é boêmio sincero", dispara.
Apesar desta "retirada" e ao contrário do que muitos imaginam, suas músicas continuam a proporcionar renda extra: só no último trimestre, os direitos de Ronda (gravada pela primeira vez em 1953) superaram 1 milhão de cruzeiros [obs.: cerca de R$ 3,6 mil, na conversão pelo IGP-M]. "É uma das mais pedidas nos karaokês da Liberdade, bairro japonês paulistano", relata Vanzolini, cercado de papéis em sua sala, no Museu de Zoologia de São Paulo, após o expediente.
Até poucos anos atrás, ele deixava por algumas horas a função de diretor de museu para fazer pessoalmente fila na Sociedade Arrecadadora de Direitos Autorais. "Era divertido. Um encontro de compositores populares. Agora é minha filha quem vai receber por mim." (ele é pai de 5 filhos e a neta mais velha tem 20 anos). Os direitos - esclarece - vem quase que exclusivamente das casas noturnas. "As gravadoras conseguiram, no tempo do Presidente Geisel, vetar a lei que obrigaria numerar discos. O compositor popular se atrapalharia com a numeração, alegavam, a companhia prestaria informações a eles. Foi como botar o cabrito tomando conta do canteiro de alface na horta", diagnostica, criticando a falta de controle na área.
BOEMIA E CIÊNCIA
Vanzolini conta que descobriu a música bem depois da zoologia: "Aos 11 anos, quando visitei o instituto Butantan pela primeira vez, apaixonei-me pelos répteis e pela zoologia. Aos 14, consegui estágio no Instituto Biológico. Mas me recomendaram estudar medicina, curso reconhecido internacionalmente, que me possibilitaria realizar pós graduação nos Estados Unidos. Na faculdade, fazíamos o show medicina, anualmente. Comecei a compor para isso."
De volta ao Brasil, Vanzolini combinou a boemia e o convívio com artistas, com o ensino de estatística aplicada à pesquisa médica na Faculdade onde estudara. "Orientei mais de 200 teses", orgulha-se. Em 9 de novembro de 1946, foi convidado a dirigir o setor de répteis do Museu de Zoologia, então vinculado à Secretaria da Agricultura. "Ele foi fundado há 98 anos, como anexo do Museu do Ipiranga. Nesta minha gestão consegui passá-lo para a Universidade de São Paulo", historia. Reconhecendo que o local é quase desconhecido do grande público e mal estruturado para receber visitantes, Vanzolini lembra que, por outro lado, a coleção de pesquisa de ofídios está entre as melhores do mundo. Assim como o levantamento bibliográfico sobre répteis. 
Abrindo uma das muitas gavetas de seu imenso fichário-arquivo, ele conta o segredo da riqueza de informações bibliográficas. "Para cada nova publicação, faço a respectiva ficha, classificando por ano de edição e assunto. Então, tiro 200 cópias e envio a pesquisadores de vários países, com quem mantenho intercâmbio. Eles, por sua vez, também me informam sobre novidades." Meticulosamente arranjadas, as fichas renderam a Vanzolini o convite para elaborar a 2.a edição do levantamento bibliográfico sobre répteis, promovido pelo importante Smithsonian Institute. Após cuidadosa encadernação, Vanzolini guarda um exemplar dos dois volumes desta obra em sua estante. Onde estão obras de muitos autores e também os 117 trabalhos que já publicou.
EXPERIÊNCIAS INUSITADAS
O papel de diretor de um órgão técnico do Estado - o Museu de Zoologia - trouxe ao cientista experiências inesperadas, como a de ser perito em disputas judiciais. "Pediram para colocar preço num jacaré, que fora caçado e morto. Minha primeira reação foi observar que, se a caça do animal é proibida, ele não pode ter preço. Depois alguém propôs o cálculo na base de quanta carne o bicho come. Se vive tantos anos, come diariamente tanto, o quilo de carne custa X, e por aí foi o cálculo para estabelecer a multa."
Vanzolini condena as listas oficiais de espécies em extinção. "Na natureza, cada par deixa seu par. Para as cobras, por exemplo, o ser humano funciona como um predador. É como se fosse um gavião que as ataca. Mas as cobras são difíceis de encontrar e assim se defendem. No caso dos jacarés, a experiência mostra que as populações se recuperam rapidamente, quando as condições voltam a ser favoráveis. Eles estavam ameaçados, até que se proibiu o comércio de peles. Longe da fronteira com outros países (onde o contrabando prossegue), ou seja, em locais como o baixo Amazonas, a população rapidamente voltou a crescer. Jacaré é manso, não ataca o Homem", garante.
Tartarugas são répteis que se reproduzem socialmente: Vanzolini já presenciou um encontro de cerca de 400, no rio Trombetas, no período reprodutivo. Isso representa um ponto de vulnerabilidade, pois é fácil atacá-las. Mesmo assim, as tartarugas estão se mantendo, diz o especialista. A maior ameaça, segundo ele, é quando o ecossistema - local onde os animais vivem - é destroçado. Apesar de criticar o passionalismo dos ecologistas, Vanzolini reconhece: "Eles são indispensáveis na ação em defesa do meio ambiente. São corte da mina da faca". 
Que recado dá o especialista para o cidadão ituano? "Que trate dos problemas ambientais não do ponto de vista do interesse, de cuidar da natureza porque ela poderá servir-lhe no futuro, ser fonte de renda. Ao contrário, devemos respeitar a natureza por sermos bons e direitos". 
Se este conceito é contrário ao que se prega nos preparativos da Eco 92, sobre uso e sustentabilidade dos recursos naturais? "Taí o que Paulo Emílio Vanzolini diz", encerra o entrevistado, sem mais palavras. (Entrevista a Silvia Czapski, Jornal Urtiga, Março 1992)

LINKS
* Ronda - gravada em 1953 por Inezita Barroso (no mesmo compacto simples da famosa Marvada Pinga) 


* Mais composições de Paulo Vanzolini - músicas e letras no site letras.mus.br

* Zoólogo, Vanzolini teve grande importância para a ciência - artigo de Reinaldo José Lopes, no jornal Folha de São Paulo, sobre participação de Vanzolini na concepção da Teoria dos Refúgios, junto com o geógrafo Aziz Ab'Saber (1924-2012).

* Um homem de moral - Documentário de Ricardo Dias sobre o músico Vanzolini, que antes fez 'Os Calangos do Boiaçu' e 'No Rio das Amazonas' sobre seu papel como cientista.


EM TEMPO...
Curiosa para visitar novamente o Museu de Zoologia da USP, fechado para reformas até 2014. Localizado quase atrás do famoso Museu do Ipiranga, ele foi projetado por Christiano Stockler das Neves, também arquiteto da Estação Julio Prestes - onde hoje está a Sala São Paulo. Segundo o site da instituição, foi primeiro prédio paulista construido especificamente para ser museu. (Silvia Czapski)



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